Uma das primeiras pessoas que encontrei quando me tornei representante do UNICEF no Brasil foi Dom Luciano Mendes de Almeida. Não me lembro exatamente a data da reunião, deve ter sido fevereiro ou março de 1991.
Devo admitir que fiquei um pouco preocupado pela forma direta com que ele me fez uma primeira pergunta. Ele queria saber de mim qual era a posição do Unicef sobre planejamento familiar. Fiquei reconhecido na minha Organização por respostas, não só diretas, mas surpreendentes. Minha resposta nesse caso foi um pouco enigmática. Rapidamente lhe contestei que tinha duas respostas: a posição do Unicef e a minha pessoal.
Aprendi uma lição muito importante na carreira como representante. Recomendo aos meus amigos mais jovens aprender a ler nos olhos das pessoas. Eles falam! Muitos comunicam a parte mais importante da mensagem que a pessoa quer transmitir, mas que não pode fazê-lo verbalmente. Os olhos de Dom Luciano, muito expressivos, me disseram claramente que ele estava ansioso por saber não só a posição da minha Organização, que ele provavelmente já sabia, mas também a minha.
Para aperfeiçoar o jogo um pouco mais, decidi começar pela posição do Unicef, que sem equívoco era, e espero que continue sendo, que os jovens devem saber sobre todos os métodos de planejamento familiar e que a Organização não deve promover nenhuma em particular. Senti novamente, pelo olhar de Dom Luciano, que estávamos de acordo, ainda que tácito. Gostei muito de ouvir Dom Luciano me perguntando: “E qual é a posição pessoal do senhor?”
Para estender um pouco a minha resposta, mencionei que tinha acabado de viver dez anos muito difíceis na América Central. Naquela época houve três guerras fratricidas e muito violentas na região: El Salvador, Guatemala, e Nicarágua. Finalmente mencionei ao meu interlocutor, respeitado e admirado até hoje, que minha posição era contrária às práticas criminais que eu tinha presenciado na América Central. Pessoas pagas por Fundações estrangeiras perguntavam a mulheres jovens que tinham acabado de ter seu primeiro filho em condições muito difíceis, se queriam ter mais filhos. Diante de uma resposta meio positiva, meio negativa, enfermeiras pagas por algumas ONGs, que não mereciam esta classificação, colocavam a jovem num taxi e levavam no médico para fazer a ligação de trompas, evitando, assim, novas gestações.
Nasci numa família ortodoxa armênia. Não tenho nenhuma afiliação religiosa e não tento convencer ninguém, nem meus filhos, sobre religião. Que cada pessoa descubra seu caminho.
Anos mais tarde, num círculo de amigos e colegas, alguém me perguntou qual era a religião dos armênios. Respondi que a grande maioria é da Igreja Armênia Ortodoxa.
Dom Luciano estava nesse círculo e da sua maneira bem amigável ele disse: “Mas, o Agop é um católico disfarçado!”. Houve uma grande risada.
Para os que não conheceram Dom Luciano, gostaria de dizer que ele foi uma das pessoas que mais respeitei por suas posições claras e lógicas com relação aos mais pobres na sociedade. Ele consistentemente advogava em favor dos menos favorecidos. Sempre defendia os interesses dos mais vulneráveis e menos protegidos. A César o que é de César! Tenho certeza que de algum lugar o espírito daquele homem tão humilde ainda tenta proteger os menos favorecidos.
Espero muito que o Brasil como um todo resolva melhor a questão de desigualdade, pois assim o país inteiro será mais justo. Dom Luciano sempre advogou por uma equidade maior na sociedade brasileira.
Gostaria tanto que os jovens, que não conheceram este homem, olhassem por uns minutos ao menos para sua historia. A história de um grande brasileiro!
Agop Kayayan é ex-diretor do UNICEF