Entre crises e esperanças: minha trajetória na OPAS/OMS
- Maria Angélica Gomes
- 2 de nov.
- 3 min de leitura
Série: Minha História nas Nações Unidas
Novembro / 2025
Minha carreira na ONU foi marcada por grandes contrastes: instabilidade política, desastres naturais e reformas polêmicas, mas também pela chance de apoiar programas que ampliaram o acesso à saúde, valorizaram saberes tradicionais e fortaleceram a participação social. Da Bolívia ao Brasil, passando por Nicarágua, Paraguai e Peru, encontrei sempre os mesmos desafios — pobreza, epidemias, tensões políticas — e a mesma oportunidade: contribuir para sistemas de saúde mais justos e inclusivos.
Na Bolívia (2001–2005), trabalhei em meio a protestos massivos e mudanças de governo.
Ali estruturamos programas de saúde intercultural, unindo parteiras, médicos tradicionais e equipes biomédicas, e participamos da criação do Seguro Universal Materno Infantil, que garantiu atenção gratuita a gestantes e crianças. Mesmo em um cenário de bloqueios e conflitos como a “Guerra do Gás”, conseguimos apoiar o Ministério da Saúde em reformas e, de forma decisiva, colaborar na redação do capítulo de saúde da nova Constituição boliviana, promulgada em 2009.
Da esquerda para a direita:
Foto 1 - Lançamento da Especialização em Saúde Intercultural, em Potosí, Bolívia.
Foto 2 - Encontro no Paraguai com o ministro Enrique Paz Argandoña e
representantes da OPAS e de projetos de cooperação em saúde.
Foto 3 - Missão da OPAS na Nicarágua, com participação de representantes locais e da equipe regional.
Na Nicarágua (2005–2009), o retorno dos sandinistas trouxe a gratuidade universal em saúde. Apoiei a integração das regiões autônomas do Atlântico ao sistema nacional, a formação de médicos e a valorização da medicina popular. Enfrentamos surtos de dengue e a devastação do furacão Félix (2007), que destruiu comunidades caribenhas. Trabalhar na reconstrução dos serviços de saúde, lado a lado com brigadas cubanas e universidades, foi uma das experiências mais desafiadoras e gratificantes.
O Paraguai (2009–2013) vivia expansão da Estratégia de Saúde da Família. Em cooperação triangular com o Brasil, instalamos centenas de Unidades de Saúde da Família, eliminando barreiras de acesso. Produzimos protocolos clínicos baseados em evidências, reduzimos a influência da indústria farmacêutica e organizamos a primeira Conferência Nacional de Saúde. Apesar da queda do presidente Lugo em 2012, conseguimos consolidar avanços como redes integradas de serviços e respostas mais coordenadas às epidemias de dengue.
No Peru (2013–2014), acompanhei de perto a polêmica proposta de reforma sanitária inspirada na Colômbia. Trabalhei com o Conselho Nacional de Saúde para filtrar medidas e registrar críticas técnicas. Apoiei a criação do registro eletrônico de prontuários, a retomada do Observatório de Recursos Humanos e articulei a participação da sociedade civil organizada. Foi um período de intensos debates, que mostrou o papel da OPAS como mediadora e promotora de alternativas.
Da esquerda para a direita:
Foto 4 - Dia de Campo promovido pela OPAS no Paraguai, com minha assistente Lídia Valiente.
Foto 5 - Apresentação de metodologia para acolher e classificar o risco de pacientes no Hospital de Niños de Acosta Ñu, em San Lorenzo, Paraguai.
Foto 6 - Assinatura da Estratégia de Cooperação com o Paraguai, com autoridades do Ministério da Saúde, do PNUD e da OPAS.
De volta ao Brasil em 2014, coordenei pela OPAS a implementação do Programa Mais Médicos em regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste, incluindo áreas indígenas. Trabalhei com universidades, secretarias municipais e o Ministério da Saúde para monitorar resultados. Em 2017 encerrei minha carreira internacional, jubilada, mas com vontade de seguir colaborando.
Na aposentadoria, continuei apoiando iniciativas: programas de cidades amigas do idoso, projetos em defesa dos direitos da pessoa idosa e o notável trabalho dos navios-hospitais no Pará e Amazonas, que levam atendimento a comunidades ribeirinhas e com registros em edições anteriores do Boletim AAFIB.
Olho para trás e vejo uma trajetória atravessada por crises políticas, emergências e incertezas, mas também por avanços concretos na saúde pública. O que uniu todos esses capítulos foi a aposta em sistemas de saúde mais equitativos, sustentados por atenção primária, participação social e respeito aos saberes locais. Hoje, na AAFIB, sigo conectada a colegas que compartilham esse espírito de serviço — e sigo acreditando que essa missão não tem prazo de validade.
















