Como ingressei no sistema ONU
- Paulo Lyra
- 10 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de ago.
Série Nossa História nas Nações Unidas
Agosto / 2025
Sempre que via colegas se aposentando, notava dois padrões: os que saíam felizes com a organização e os que saíam amargurados, recusando até festa de despedida. Dei sorte. Meus melhores anos na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em Washington, foram os últimos. Saí com vontade de continuar. Iniciei projetos até quase o último dia, incluindo um que reuniu 300 voluntários uma semana antes da partida.
Prestei concurso para a OPAS em 2000, quando morava em Washington e trabalhava na comunicação de uma ONG internacional. Entrei como P4, cargo que mantive até me aposentar. Me candidatei a cargos de chefia uma vez (sem sucesso) e a postos em outras agências e regiões, mas acabei ficando na OPAS. No início, liderei a comunicação do programa de AIDS. Trabalhei também por um ano com a UNAIDS, organizando oficinas de advocacy com equipes da ONU nos países. Depois atuei com outros temas de saúde, até assumir a comunicação interna — um posto estratégico numa organização com 34 escritórios e quatro idiomas.
Participando da conferência Rio+20, em 2012, com colegas da OMS, entre eles a então Diretora-Geral Margaret Chan (centro).
No cockpit de um avião das Forças Aéreas Filipinas, durante uma viagem de apoio à recuperação de uma região afetada por um tufão.
3. Com colegas da OPAS em Washington (abaixo da pessoa com camisa vermelha que está dentro do monumento).
Meu trabalho me levou a grandes conferências internacionais: em Bangkok, em 2004, com 20 mil pessoas; no Rio, em 2012, com 45 mil. Isso impressionava, mas o que ficou na memória foi integrar as equipes de comunicação que atuaram em desastres naturais: o tufão nas Filipinas (2013) e o terremoto no Equador (2016). As poucas fotos que tenho da carreira na ONU são desses momentos.
Foi assim, né? Comecei a vida querendo salvar o mundo do sistema capitalista, como ativista estudantil. Depois tentei salvar o planeta, na área ambiental. Durante as epidemias de AIDS e COVID, tentei salvar a humanidade de um colapso. Já em comunicação interna, tentei salvar a OPAS da sua própria direção. Deviam ver a cara do diretor quando contei isso no meu discurso de despedida. Não salvei ninguém, mas foi uma linda jornada.
Participando de uma simulação de resposta em comunicação para emergências, dentro de uma área militar na Suíça.
Trabalhando com comunicadores de outras regiões. O colega ao meu lado, Glen Thomas, que perdeu a vida pouco depois, no atentado que derrubou o voo MH17 da Malaysia Airlines sobre a Ucrânia, em 2014.
Momento em que o Diretor da OPAS anunciou que aquela seria a última reunião que eu facilitaria, pois me aposentaria em breve.
Aposentado, continuo cometendo os mesmos erros. Hoje apoio quatro organizações como voluntário, incluindo a AAFIB. As outras são a Fundação Astrojildo Pereira (que promove a democracia e o pensamento crítico), o Amazon Conservation Team (que protege a floresta com povos indígenas) e a Wikimedia Brasil, que apoia a Wikipédia e outros projetos de conhecimento livre. Meu foco atual é a campanha “Informação é Direito”, sobre acesso aberto a dados e conteúdos públicos. Em julho, participei de uma conferência deles em Salvador — foi marcante. Também vou à academia três vezes por semana e viajo bastante.
Volto ao tema inicial: por que fui tão feliz nos últimos anos da carreira? Quando comecei, tinha fama de ser direto, independente e impulsivo. Um colega me apelidou de “Kamikaze”. Mas essa energia sempre foi usada para promover colaboração entre áreas — o que, em uma organização internacional, exige superar resistências culturais e operacionais, incentivar inovação, cultivar transparência e dar voz ao pessoal. Muitos mencionaram isso na minha despedida. Outros disseram que ninguém na organização tinha tanta liberdade quanto eu. Agora estou ainda mais livre.
















