Minha trajetória no PNUD
- Carlos Castro
- 3 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de out.
Série: Minha História nas Nações Unidas
Outubro / 2025
Precisava de um emprego temporário em Brasília para poder terminar o doutorado na Universidade de Brasília - UnB. Estava há mais de três anos na cidade, licenciado pela Universidade Federal de Mato Grosso para trabalhar como assessor ambiental na Câmara dos Deputados. Em breve, teria que retornar às salas de aula de Ecologia Florestal, Manejo de Bacias Hidrográficas e Política Florestal, no calor de 40º de Cuiabá. Se antes essa temperatura era tolerável, com 45 anos o Planalto Central me parecia mais agradável para a família viver. Precisava fazer algo enquanto esperava por um concurso ou uma transferência para a UnB.
E, no mesmo momento que decidi ficar, eu soube, de forma aleatória, como dizem os jovens hoje em dia, de um processo de seleção no Programa de Desenvolvimento da ONU. Um contrato de um ano, ideal para os meus propósitos, sem muita expectativa já que pouco sabia sobre o papel do PNUD no Brasil e no mundo. Foi o caso de a realidade ser muito melhor que a expectativa e de um ano virar dois, dez e dezessete anos se passaram.

Já na primeira semana de conversa com a chefe da Unidade de Meio Ambiente, Cristina Montenegro, percebi a diversidade de ações e de atores e a imensa chance de aprendizado, e também de poder colocar minha vivência acadêmica e com populações extrativistas de Mato Grosso, posseiros, seringueiros e castanheiros, na elaboração, gestão e execução de projetos. Pela primeira vez senti a vantagem da experiência e percebi as possibilidades de ampliar o alcance das atividades da ONU no fortalecimento das comunidades que habitam os biomas brasileiros. Nessa mesma semana aconteceu uma reunião de equipe do PNUD, com cerca de cem pessoas. Foi quando vi o Representante Residente fumando charuto numa sala com uma mesa imensa e sem janelas, acompanhado também pela fumaça da maioria dos participantes. Ao ver os assuntos tratados naquela cena eu entendi que estava no lugar certo, tanto profissional e intelectualmente quanto pelo vício no tabaco.

Poder me envolver, por meio de centenas de projetos com o governo federal, governos estaduais e organizações da sociedade civil, em praticamente todos os temas ambientais ligados à política, gestão, conservação e promoção do desenvolvimento sustentável me trouxe grande prazer e satisfação. Mas o que me fez muito feliz no meu período na ONU foi ver indígenas, quilombolas, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, agricultores familiares, pescadores e marisqueiras, enfim populações mais vulneráveis frequentando assiduamente as atividades na casa da ONU e participando ativamente, através de parcerias e aprendizado mútuo, na elaboração e execução de ações voltadas à sustentabilidade ambiental e à inclusão social. Projetos de conservação e uso sustentável da caatinga, do cerrado, da floresta tropical e dos mangues reforçaram a ideia de como o cuidado com o meio ambiente pode servir de base para o desenvolvimento humano, reduzindo a pobreza e aumentando a qualidade de vida.
Da esquerda para a direita:
Foto 1 - Trabalho com meio ambiente 2004 (clique na foto para ampliar)
Foto 2 - Visitando Sistema Agroflorestal na Amazônia.
Foto 3 - Inauguração do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável 2013.
Trabalhar com populações tradicionais também trouxe muitas novidades no dia a dia da execução dos projetos. Me lembro da dificuldade de enquadrar no manual de compras da Agência Brasileira de Cooperação-ABC e do PNUD a aquisição de uma junta de bois para puxar um carro ou de cavalos e jumentos de trabalho. Depois de muitas idas e vindas, a categoria bens móveis semoventes foi finalmente aceita, embora onde colocar a placa com o número do registro do patrimônio foi uma questão nunca resolvida. Por isso estranharam quando eu disse que não sabia como enquadrar duas vacas compradas por um projeto que promoveu um encontro de seringueiros em Mato Grosso. Uai, semoventes como combinado, foi a resposta do setor de compras. O problema é que não eram semoventes, na verdade as vacas foram comidas na reunião na Reserva Extrativista. O pior é que fui eu que sugeri bovinos ao invés de uma anta, duas pacas e tatus que tinham enviado na previsão de gastos.
Em tempo, não fumo mais e a fumaça foi banida da ONU. Me aposentei após 12 anos coordenando a Unidade de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Um pouco a contragosto, pois me agradava muito trabalhar com uma equipe alegre, compromissada e entusiasmada com os princípios da ONU e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Na época, 62 era a idade limite, saí e rapidamente aderi à nova etapa da vida. Viver é bom.
Carlos Castro - cfac52@gmail.com










