A verdade é que meu pai e meu sogro foram passar férias nas Filipinas em novembro de 1985. Na época os dois já estavam aposentados e como as passagens de volta ainda não estavam marcadas, decidimos que eles ficariam para passar conosco o Ano Novo. Entretanto em vista da gravidez da minha esposa, com o parto esperado para fevereiro de 1986, eles acabaram por decidir esticar as férias e só regressar depois do nascimento do neto.
Meu filho nasceu em 18 de fevereiro e logo no dia 20, dois dias depois, estourou a revolução que derrubou o Presidente Marcos. Como vivíamos próximos ao aeroporto de Manila, alguns combates aéreos entre helicópteros aconteceram justo por cima de nossa casa. O resultado foi que fomos a única família de funcionários da ONU em Manila a passar para a fase seguinte do esquema de segurança, a de reagrupar. Assim, mudamos para o Hotel Intercontinental de Makati e de lá acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos. Meu sogro, militar de carreira, acompanhava pela TV com apreensão pois entendia o que poderia vir a acontecer no caso de estourarem combates entre militares e civis.
Acabada a revolução, o sogro e meu pai retornaram ao Brasil entretanto creio que a pressão daqueles momentos vividos nas Filipinas foi muito forte para meu sogro pois ao chegar ao Brasil um ataque cardíaco fulminante o levou. Infelizmente, meu pai também partiu poucos anos depois, em 1989.
Nossos colegas de sede nem imaginam o que pode acontecer em alguns países como os que servi. No total foram 27 anos no Programa Mundial de Alimentos começando em Salvador \ Bahia por dois anos. Passei então a oficial internacional, foram quatro anos em Angola, quatro anos nas Filipinas, três anos na Guiné-Bissau, dois anos na Bolívia, quatro anos de Guatemala, dois anos de Tanzânia, cinco de Nicarágua e cerca de ano e meio no Haiti. Desde Angola eu também estive encarregado de São Tome e Príncipe.
Apenas dois dias desde o nascimento do meu filho Carlos o susto foi maior, recebi o clássico telefonema para não sair à rua porque a revolução havia estourado. Imediatamente perguntei por meu pai e sogro, minha esposa respondeu que haviam saído para jantar com um casal de amigos em um clube de Manila. Com muita dificuldade, telefones “jammed”, conseguimos depois de muito tempo encontrar e chamar o número do telefone do clube e o último funcionário que já estava de saída informou que o clube estava vazio pois ao saberem do fato largaram jantares na metade e tudo mais para correrem para casa. Nossos pais levaram bastante tempo para chegar pois haviam encontrado problemas de ruas fechadas, barricadas militares, etc... Na época não existiam os celulares, isso nos deixou muito apreensivos e só ficamos um pouco mais tranquilos quando eles finalmente apareceram. No meio da mesma noite meu filho começou a chorar e levamos algum tempo para notar o que estava acontecendo: com o susto minha esposa perdeu o leite. Às cinco da manhã eu estava parado em frente a uma farmácia 24hs que não estava aberta e eu pensando em quebrar a vitrine e pegar o leite que estava à vista e ao alcance dos braços. Por sorte, cerca das oito da manhã vi um rapaz chegando a pé no meio daquelas ruas desertas e comecei a rezar para que ele fosse funcionário da farmácia... era!
Os pilipinos (na língua deles, o Tagalog, não tem F, assim peixe em Inglês se torna pish) são impressionantes, capacidade e eficiência enormes de trabalho. Só não trouxe conosco nossa empregada porque estava sendo transferido para Bissau e a responsabilidade seria enorme. Ela começara como empregada e de tão eficiente foi promovida a governanta. Os filipinos estão espalhados como empregados de gabarito em todas as profissões, por toda a Ásia, na Europa, nos Estados Unidos e nos pequenos principados árabes do Oriente Médio. Outra característica deles é a musicalidade. Nas Filipinas em qualquer bar ou restaurante sempre há a presença de um grupo apresentando-se e no mínimo um pianista estará presente. Em Hong-Kong quase todos os entertainers são filipinos.
Com tanta exposição ao Tagalog, depois de algum tempo você pode não falar a língua deles mas começa a entender qual o rumo da conversa e sobre o que eles estão falando. É simples de explicar: o Tagalog é a mistura de uma língua asiática com Inglês, Espanhol e Português. Sim, Português, uma vez que o descobridor das Filipinas foi Fernão de Magalhães, o grande navegador português que na época estava sob a coroa espanhola pela união dos reinos de Espanha e Portugal. É engraçado mas no Tagalog filipino fala-se janela e não ventana, tesoura e não tijera. Como falo Espanhol, Português e Inglês sempre conseguia saber sobre o que eles falavam.
Eu não tive a oportunidade mas minha esposa foi junto com as outras esposas de funcionários da ONU em Manila visitar o palácio do governo depois da queda do Marcos! Ela viu os três mil pares de sapatos. Aliás muita gente não sabe mas, a Imelda nasceu de família pobre e por boa parte da vida andou descalça. Foi candidata em um concurso de beleza e ali encantou o Ferdinando Marcos. Por isso já com dinheiro ela gastava muito com sapatos. Escutei muito coisa dela pois tínhamos muita ligação com o ministério em que ela era Ministra.
Bem o Carlos nasceu em Manila (assim ele é Pinoy = Pilipino em Tagalog), e tive eu mesmo que tirar e revelar a foto do primeiro passaporte dele que foi feito às pressas dentro da embaixada brasileira fechada por causa da revolução. Sim, como brasileiro e carioca sou flamenguista roxo e o Carlos herdou isso. Quem sabe porque ele nasceu em 1986 no dia do meu aniversário e temos exatamente 41 anos de diferença! Foi um enorme presente. Coincidentemente, ele também é flamenguista roxo e formou-se na PUC do RJ como engenheiro de controle e automação! No momento está trabalhando em uma empresa Norueguesa, Agito, que dá apoio a varias grandes empresas no Brasil. Veja http://agito.no/
Nossa filha Natalie (produto de Angola, made in Brazil) formou-se em direito na UFRJ e presentemente está encarregada da parte jurídica da aceleradora digital 21212, veja http://21212.com/people/natalie-witte/
Fernando Witte