Dia 5 de agosto de 1988, Praça do Bispo, João Pessoa, Paraíba.
Eu tinha sido convidado recentemente para assumir o cargo de Diretor de Planejamento da agência de propaganda PROPEG/Bahia, em Salvador, tendo-me desligado, em São Paulo, da agencia CBBA - Castelo Branco & Associados Propaganda da qual, após 13 anos de atividades, era Diretor de Operações e Promoção.
Hiran Castelo Branco, um dos principais titulares da CBBA, era também Presidente do CNP - Conselho Nacional de Propaganda, instituição formada por anunciantes, agências de propaganda, veículos de comunicação e empresas de produção desta área, que se dedicava à promoção de campanhas comunitárias entre as quais, ações de apoio ao UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Estando agora em Salvador, Hiran pediu-me para coordenar os trabalhos do CNP na região Norte/Nordeste e uma das primeiras tarefas foi participar, com ele, em uma reunião de coordenadores estaduais da Pastoral da Criança no Nordeste. Esta reunião foi agendada para ser realizada no dia 5, 6 e 7 de agosto em João Pessoa.
Por causa dos horários de vôo Salvador/João Pessoa eu cheguei bem cedo e, no trajeto aeroporto – cidade, fui informado pelo taxista que nesse dia 5, feriado estadual, se realizava a Festa da Padroeira de João Pessoa e da Paraíba, N. Sra. das Neves. Recomendou que eu assistisse aos festejos no centro da cidade.
A reunião de coordenação da Pastoral estava programada para ser iniciada à noite em um Seminário próximo ao centro. Deixei a minha bagagem no Seminário e lá fui eu, máquina fotográfica em punho, para uma linda colina, ruas estreitas, construções antigas envolvendo a Catedral de N. Sra. das Neves na Praça do Bispo.
Inúmeras barracas de comes e bebes, predominando as maçãs do amor, os churrasquinhos de uva com chocolate. Muitos barraqueiros, pouca gente nas ruas. Até que o andor da Santa apareceu na avenida que subia a colina, apoiada nos ombros de senhores devidamente paramentados e seguida por fileiras de “filhas de Maria” entoando cânticos religiosos. Sentado em uma mureta que separava as antigas pedras da praça de seus bem cuidados jardins eu tive a impressão de que toda a população de João Pessoa estava lá, seguindo a procissão. Sobressaiam-se grupos de pessoas, famílias inteiras lideradas por casais mais idosos, orgulhosos de sua liderança. Predominavam pessoas de baixa estatura, cabeças grandes, olhos claros, gente forte. Concentrados e conscientes de seu papel, eles transmitiam fé e felicidade.
Essa mesma felicidade e consciência eu vivenciei, logo depois, na abertura da reunião de coordenação da Pastoral da Criança – Região Nordeste.
Foi uma reunião curta, antes do jantar no Seminário, destinada à apresentação pessoal dos participantes: alguns Bispos, freiras, líderes comunitárias e representantes de instituições apoiadoras.
Foi quando tive o meu primeiro contato com a Dra. Zilda Arns, coordenadora nacional da Pastoral da Criança, pediatra, irmã de D. Paulo Evaristo Arns. Foi quando conheci também Vera Lucia Salles, Oficial de Comunicação do UNICEF para os estados do Maranhão e Piauí, atualmente nossa colega na AAFIB.
Nos dois dias seguintes da reunião foram apresentados os progressos na disseminação da Pastoral por todo o Brasil, o aprimoramento do trabalho das líderes comunitárias, a adesão cada vez mais consistente dos Bispos na implantação da iniciativa junto às paróquias sob sua responsabilidade, por recomendação oficial da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e, entre outros temas, os resultados da Campanha do Soro Caseiro no esforço de redução da mortalidade infantil por desidratação, na época a principal causa de mortes de crianças no Brasil.
Hiran Castelo Branco apresentou resultados de pesquisa de penetração, entendimento, motivação e credibilidade dos filmes veiculados em TV com a participação do ator Lima Duarte (“A diarréia mata...”), e testemunhais do então presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dr. Reinaldo Martins e de uma líder comunitária da Pastoral.
Na discussão sobre a participação da líder comunitária ficou constatada a eficácia dessa estratégia. Tanto as líderes quanto as coordenadoras estaduais presentes na reunião destacaram a importância do prestígio, motivação e credibilidade que a presença dessa líder na TV transferiu para as pessoas que, na linha de frente desse trabalho, no contato dia-a-dia com a comunidade, são levadas a atuar contra culturas estabelecidas, preconceitos arraigados, nos costumes que se referem ao valor da vida. “São comuns, na morte de um filho, ouvirmos coisas como: “Ah ! Deus quis...” ou “Minha filhinha está abrindo o meu caminho para o céu...”
Foi o meu primeiro contato com a verdade.
Pegou na veia.
Daí até a minha aplicação para um posto no UNICEF foi um pulinho.
O que eu conto em próximos contos.
E o “Bispo” ? Título deste conto ?
No final dessa reunião de coordenação da Pastoral, num papo informal, Hiran me disse que alguns participantes, talvez por minhas características pessoais, comportamento, atitudes, um ligeiro sotaque sulista, perguntaram-lhe se eu era um Bispo.
Hoje posso dizer a Hiran que isso aconteceu outras vezes.
Anos após, já como Oficial de Mobilização Social do UNICEF, em reuniões do Comitê de Comunicação da Pastoral da Criança, na casa de Dra. Zilda Arns em Curitiba, esse episódio se repetiu. Participavam deste Comitê, profissionais de comunicação da Pastoral, dirigentes de organizações parceiras e Bispos integrantes da CNBB. Em conversa, durante o almoço, eu estava falando sobre a minha família, mulher e filhos, quando uma freira, surpreendida, exclamou: “Ué ! Eu pensei que o senhor fosse Bispo...”
Udo Bock, publicitário, aposentado pelo UNICEF em maio de 2.000, foi Oficial de Mobilização Social da instituição desde outubro de 1991, atuando em Brasília e São Paulo.